domingo, 16 de outubro de 2011

O menino que montava estrelas

   Vou inaugurar aqui no blog minha sessão historinha, ou seria conto, não sei, há muito tempo que tenho o hábito de escrever histórias, poemas, contos e poesias, algo muito íntimo, espécie de desabafo de inspiração, esses ficaram perdidos pelo caminho nas folhas soltas em que foram escritos ou nos caderninhos que foram para o lixo, agora percebi que o blog é a maneira perfeita de perpetuar o que eu penso, então blog façamos assim, eu escrevo aqui e você guarda pra mim!:D

   E com você, o menino que montava estrelas...

   Nessa história de menino que vou contar, o menino não mais existe fisicamente, ele existe e não cresceu, na lembrança de um homem maduro, é um menino de sonhos. Pensei em atribuir-lhe um nome mas os nomes são específicos demais para esse tipo de gente que existe mais dentro de nós do que no mundão aí fora, então por vezes o chamarei de homem, por vezes de menino.

   O ser humano é fantástico, tem no nascimento a grande oportunidade de escrever sua história e como presente dessa grande ocasião ganha um livro com páginas em branco e que dali em diante tratará de preenchê-lo, dia após dia. Quando criança esse livro fica sob guarda de nossos pais, eles tratam de com seu olhar, com suas lembranças traçar as primeiras e determinantes palavras que iniciam nossa história e conforme o tempo vai passando nós recuperamos a guarda do livro e nos responsabilizamos pelo preenchimento ou não de suas páginas.

   O nosso homem, o menino da história teve seu livro guardado pelos pais com muito carinho, muito cuidado, guardado em papel de seda, lacrado em caixa bonita, quando era necessário preenchê-lo, eles o pegavam com toda cerimônia, caneta boa em punho para que as palavras que ali se perpetuassem ficassem gravadas da forma mais bonita. E assim sempre fizeram, até o momento do nosso menino, agora quase um homem se responsabilizar  enfim por essa redação e daí em diante tudo mudou.

   A princípio nosso menino-homem não deu muita importância ao livro, seguiu sua jornada sem muito se preocupar com as marcas deixadas pelo caminho, havia muito por fazer, foi ser rei e senhor do seu tempo, fazer sua história sem muito pensar, sem muito temer, foi viver a rebeldia de sua idade, se entregou aos prazeres, as dores, aos vícios, amores e desamores, foi viver a vida. E o livro você me pergunta, estava guardado, no fundo da caixa empoeirada jogada embaixo da cama, as vezes ele o pegava, mãos sujas deixava marcas, ensaiava as vezes uns rabiscos, mas as palavras não vinham, não flui, pensava ele, o tempo passando e as páginas em branco denunciavam o descaso com a própria história.

   Mas num daqueles dia em que nada faz sentido, aquele menino agora um homem se perdeu de si mesmo, errou o caminho de volta, enveredou por trilhas obscuras nunca antes percorridas, as trilhas da consciência, do sentimento de necessidade de ter um motivo para estar vivo, um sentido que justifique o presente e mais, o futuro, olhou em volta e nada encontrou, voltou-se ao que já ficara pra trás e somente a escuridão no seu encalço, estava perdido.

   E depois de muito pensar, ah eu tenho o livro lembrou-se, procurou-o ele estava ali, guardado, bem no fundo, onde no fim das contas costumamos guardar tudo que por alguma razão realmente faz sentido. Ao abri-lo belas palavras, letra bonita, página alvinha, dava até gosto e segurança tê-lo nas mãos, mas de repente algumas páginas mais a frente, folhas amassadas, poucas frases inacabadas, marcas de dedos engordurados já marcavam a época em que o livro chegara a sua tutela, dali por diante a brancura do desleixo com as palavras, com o livro, com a vida.

   Como tudo isso aconteceu, pensou ele quais referências posso ter e por um momento sentiu um aperto no peito, um nó na garganta, um sentimento abafado de desespero, despreparo, de desconsolo, mas lembrou-se da estrela, ah a estrela, ela ainda está por aqui, tenho certeza, folheou com pressa, uma urgência gritante e a encontrou, ela estava ainda ali, guardada em segredo, ela sempre esteve ali, aparentemente ofuscada mais ali, esperando seu momento de ser encontrada e voltar a brilhar.

   Lembrou-se com isso como ela, a estrela, fora parar no meio do livro e reviveu tempos dele menino, pegando o livro guardado com tanto zelo naquela bela caixa e da sua peraltice de criança quando quis deixar sua marca, a lembrança de sua vida iluminada pelas belas estrelas que ele adorava vigiar durante a noite, lhes dando nomes, sobrenomes e até apelidos, estrelas cúmplices das sua meninices, de seus sonhos pueris e foi adiante recordando-se de como mais tarde fizera delas suas conselheiras nas dúvidas de adolescente, nos suspiros dos primeiros amores, na curtição da vida noturna, fizera delas suas testemunhas, no cair da noite ao lado de sua amada, corpo nu, a meia luz fizera delas inspiração mas lembrou-se ainda como as esquecera, na correria de suas responsabilidades de homem sem tempo com muito por fazer. Ele esquecera de viajar em seus sonhos, planos, pensamentos iluminados.

   E de novo tudo se apagou, mas aquela faísca de luz clareou um novo caminho, antes difícil de enxergar pela escuridão, era ele de novo menino agora homem e homem de novo menino, se atrevendo a ousar, se permitindo mais uma vez ver o brilho do mundo. Empunhou uma boa caneta, livro em mãos, belas canções vinham a mente, belas palavras começou a escrever, mudou os adjetivos e tirou a melhor lição de tudo de ruim que passou, acabou com os rascunhos, dali em diante só textos bem elaborados, histórias dos caminhos percorridos, gracejos sobre as oportunidades perdidas mas o mais importante, o testemunho sensato do reconhecimento da importância de alimentar nossas fagulhas de luz para mantê-las sempre acesas.

   E assim nosso menino-homem ou homem-menino segue seu caminho nós nos reconhecemos e as vezes por aí até nos encontramos, montados em estrelas.